Para muitas pessoas, o Natal é uma das épocas mais esperadas do ano. Os reencontros com familiares e amigos são, muitas vezes, acompanhados de presentes e de comida típica. Para aqueles que cozinham para o grupo, pode ser um desafio confecionar pratos que agradem a todos. A dificuldade aumenta quando há alguém que tem alergias ou intolerâncias alimentares.
Em declarações ao Viral, Ana Reis Ferreira, imunoalergologista na Unidade Local de Saúde (ULS) de Vila Nova de Gaia/Espinho e membro da Sociedade Portuguesa de Alergia e Imunologia Clínica (SPAIC), expõe 5 cuidados a ter quando se cozinha para pessoas com alergias ou intolerâncias alimentares e explica como detetar e o que fazer em caso de reação alérgica.
1- Perceber quem tem alergias ou intolerâncias alimentares (e a que alimentos)
Em primeiro lugar, antes de preparar a refeição ou a festa, é necessário “identificar as pessoas” que têm alergias ou intolerâncias alimentares, bem como “a gravidade de possíveis reações”, adianta Ana Reis Ferreira.
Aliás, salienta, é particularmente importante identificar “as pessoas com alergia alimentar”, mais do que “as pessoas com intolerância”.
Isto porque “as intolerâncias não põem em risco a vida da pessoa”. Por outro lado, “no caso de uma alergia alimentar, podem ocorrer reações muito graves, que podem ser fatais, se não forem tratadas atempadamente”, avisa.
De seguida, deve-se “falar diretamente com as pessoas” – ou com os pais (ou tutores), no caso das crianças – para se perceber, de forma concreta, quais os alimentos que causam intolerância ou alergia, bem como “esclarecer o nível de cuidados a ter”.
Existem diferentes níveis de intolerância e, dependendo da pessoa, pode haver uma reação mais (ou menos) grave à exposição a um determinado alimento.
Por exemplo, refere Ana Reis Ferreira, “há doentes que até toleram estar num local onde está a ser processado o alimento” ao qual são alérgicos, enquanto outras “nem sequer podem estar na cozinha quando se está, por exemplo, a cozer peixe ou marisco, porque basta um vapor da cozedura para desencadear uma reação”, acrescenta.
2 – Reduzir ao máximo a presença dos alimentos alergénios
Outro cuidado essencial a ter, neste contexto, é “tentar minimizar a presença dos alimentos a que o doente é alérgico em todas as refeições (e não só nas principais)”, defende Ana Reis Ferreira.
No Natal, em específico, é comum “a mesa ficar posta com doces e sobremesas” e isso “pode levar uma exposição acidental”, sobretudo no caso das crianças.
Em casos de alergia muito grave, “o ideal é que o alergénio não esteja mesmo presente”. Dependendo do alimento em questão e dos hábitos das pessoas que vão preparar as refeições, pode ser difícil seguir esta recomendação.
Uma alternativa possível é “a pessoa levar a sua própria comida”. A imunoalergologista sugere, por exemplo, que se informe a pessoa, com antecedência, sobre “quais vão ser os pratos servidos, de forma que o próprio doente (ou a família) possa fazer uma versão segura” do mesmo prato.
3 – Ter cuidado com os utensílios e com as superfícies utilizados para a preparação da refeição
No momento da preparação da refeição, é essencial ter cuidados com as superfícies e com os utensílios utilizados durante a confeção.
Quando se cozinham refeições diferentes – uma com o alimento alergénio e outra sem esse alimento -, não podem ser utilizados “os mesmo tachos, panelas, travessas e talheres” para fazer os dois pratos, salienta Ana Reis Ferreira.
Se for necessário utilizar os mesmos utensílios, estes devem ser “muito bem lavados com sabão” antes de serem usados para preparar comida para as pessoas com alergias alimentares.
No mesmo sentido, deve-se lavar com frequência as superfícies (como tábuas de corte e bancadas da cozinha, por exemplo) entre as preparações.
Segundo a especialista, estes cuidados minimizam a probabilidade de ocorrer “contaminação cruzada”, ou seja, a contaminação de pratos e refeições com substâncias alergénicas, através do contacto com utensílios e superfícies.
Na altura da refeição, estes cuidados devem manter-se. “Não pode haver a partilha de talheres, tachos e recipientes” com a pessoa que tem uma alergia alimentar.
4 – Ler muito bem os rótulos dos alimentos
Se o objetivo é fazer a mesma comida para todas as pessoas, é fundamental ler muito bem todos os rótulos de todos os alimentos e ingredientes. Tal como explica Ana Reis Ferreira, “às vezes, o alergénio pode estar num produto em que nós achamos que não está”.
“Já acompanhei um doente alérgico ao peixe que teve uma anafilaxia [reação alérgica muito grave], na passagem de ano, por comer um pão que era suplementado com óleo de peixe”, exemplifica.
Por isso, reforça, “às vezes, os alergénios estão escondidos”. No caso dos mariscos, por exemplo, “podem estar presentes em molhos feitos com a água da cozedura”.
5 – Ter especial atenção às crianças com alergias alimentares
Quando as pessoas com alergia alimentar são crianças, os cuidados devem ser dobrados. Por norma, refere a imunoalergologista, “os pais das crianças com alergias têm uma atenção aguçada” e sabem sempre “onde pode estar o alimento alergénio”.
Ainda assim, podem acontecer acidentes. Se a comida ficar toda exposta numa mesa, por exemplo, “as crianças mais pequenas podem ter a tentação de ir lá mexer e comer”, aponta.
No mesmo sentido, quando há muitas crianças nestes eventos – o que é comum no Natal – corre-se maior risco de “haver crianças a comer alimentos” alergénicos para outra criança. Essas crianças podem estar a comer enquanto brincam e “a criança com alergia” pode entrar em contacto com esse alimento.
Além disso, existem questões que, para pessoas que não convivem todos os dias com uma pessoa com alergias alimentares, podem ser difíceis de perceber à partida.
Ana Reis Ferreira recorre a outro exemplo: “uma criança que é alérgica ao leite vai à festa de aniversário de um amigo. A mãe desse amigo fez um bolo sem leite, para o menino também poder comer, mas untou a forma com manteiga”.
Muitas vezes, fazem-se estes gestos “com boas intenções”, mas, como “não se lida com isto diariamente”, há aspetos específicos que podem falhar.
Reações alérgicas: Como detetar? O que fazer?
Em situações de festa e convívios que envolvam comida, é muito importante que as pessoas envolvidas saibam quando há alguém do grupo que tem uma intolerância ou uma alergia alimentar. Até porque, em caso de reação alérgica, a pessoa pode precisar de ajuda.
De modo geral, as intolerâncias alimentares estão associadas “ao consumo de açúcares dos alimentos”, como, por exemplo, “os presentes nos lácteos”. Além disso, “também podem estar associadas ao consumo de algumas frutas e legumes”, explica Ana Reis Ferreira.
Evitar os lácteos, na altura do Natal, pode ser particularmente difícil, já que são muito utilizados “em sobremesas” típicas.
Em caso de intolerância alimentar, os sintomas prendem-se muito com “queixas gastrointestinais”, ou seja, “distensão abdominal, diarreia, náuseas e vómitos”. Contudo, consumir os alimentos que geram intolerância “não põe em risco a vida do doente”, esclarece a médica.
No caso de reações alérgicas o cenário é diferente e os sintomas podem ser variados. “Há doentes com reações pouco graves, em que começam por ficar só com comichão na boca quando comem um alimento a que são alérgicos”, adianta.
Por outro lado, há outras pessoas que desenvolvem sintomas na pele, podem “ficar com lesões”, “a pele fica empolada e vermelha” e ficam “com muita comichão”.
Também há pessoas que ficam com “os lábios, os olhos, as mãos ou os pés inchados”, prossegue a especialista.
Além disso, podem surgir “sintomas respiratórios”. A pessoa pode “sentir a garganta a apertar, ficar rouca ou pode ter chiadeira e tosse”, refere.
Em alguns casos, podem ocorrer “sintomas cardiovasculares, ou seja, a pessoa fica com a tensão muito baixa, fica pálida, quase incapaz de se manter de pé”. Em casos “mais graves”, pode “chegar mesmo a desmaiar”, salienta.
Quando uma pessoa tem uma reação que “envolve mais do que um sistema”, ou seja, quando tem “sintomas na pele, respiratórios e cardiovasculares, estamos perante uma reação alérgica muito grave, designada por anafilaxia”.
Tal como se explica num documento da SPAIC, a anafilaxia “é uma emergência médica” e pode levar à morte “se não for imediatamente tratada”.
Neste contexto, é imprescindível que se reconheça a situação o mais rapidamente possível e que se trate “com uma caneta de adrenalina”, assinala Ana Reis Ferreira.