Na altura de tomar medicamentos, é por vezes grande a tentação de não ler a bula e não fazer caso das recomendações do médico para a toma.

Mas, a verdade é que a forma como determinados fármacos são tomados faz toda a diferença, até porque há algumas substâncias que reagem com determinados alimentos ou bebidas, pelo que estes últimos devem ser evitados a todo o custo.

Há dúvidas e persistem muitos mitos na opinião pública sobre a interação de medicamentos com alguns alimentos, pelo que a Executive Digest recorreu a Pedro Barreira, médico de Medicina Geral e Familiar e ‘metade’ dos ‘Twin Docs’ – dois gémeos médicos que, nas redes sociais, televisão e em podcasts, conferências e congressos, têm feito esforços para combater a iliteracia em saúde entre a população e alertado para os contextos de variados problemas de saúde -, para explorar melhor esta questão do que ‘comer ou não comer?’, quando há remédios envolvidos.

A importância de seguir as recomendações do médico

“É sempre importante atender à pergunta ‘Devo tomar este medicamento em jejum? Com alimentos? Depois das refeições?’. Reparemos que há diferenças: jejum (sem nada no estômago), com alimentos (durante a refeição) e no pós-refeição. São três momentos diferentes”. começa por explicar Pedro Barreira, distinguido entre três recomendações que pode ouvir sair da boca de um médico na toma de medicamentos. E que (naturalmente) devem ser seguidas à risca.

“Os alimentos vão fazer com que o que o corpo absorve ou elimina seja mais devagar ou rápido do que o normal”, resume o especialista. Mas há que olhar a casos específicos – já lá iremos -, nos quais o doente é avisado.

“Sim, na esmagadora maioria dos casos, depois da prescrição e se implicar prescrição farmacológica, os doentes são avisados. Obviamente que há interações entre aquilo que comemos, os alimentos que ingerimos, e os medicamentos, e temos de abordar sempre este tema com os doentes. Porque vai afetar a absorção dos medicamentos, vai ter interações químicas, vai alterar o metabolismo do próprio medicamento, pode aumentar até o risco dos efeitos secundários e pode haver também, atenção, alguns alimentos que implicam restrições alimentares. Alguns fármacos exigem que o paciente evite certes alimentos. Por exemplo em pessoas que têm problemas de coagulação do sangue, e usam varfarina, um anticoagulante, é necessário monitorizar a ingestão dos alimentos ricos em vitamina K, e essa biodisponibilidade pode de facto afetar a eficácia do medicamento que estou a prescrever”, exemplifica.

Que doentes estão mais em risco de sofrer com estas interações entre medicamentos e alguns alimentos?

Segundo indica Pedro Barreira, são “os polimedicados, normalmente pessoas de uma população mais idosa, os hipertensos e diabéticos, mas também quem faz concomitantemente medicação para proteção gástrica, pessoas imunodeprimidas, pessoas com doença crónica”, e recorda o caso do HIV, em que um retroviral, o Ritonavir “deve ser tomado logo depois de uma refeição, caso contrário não é absorvido corretamente”.

Na altura de prescrever, o médico “tem de ter tanto ‘olho clínico’ para estes casos, como faixas etárias, como também para outas condicionantes. Veja-se, se prescrevo anti-inflamatórios a uma pessoa que tem gastrite, ou que tem altos consumos alcoólicos ou que já teve varizes esofágicas, uma vez que há risco de agravar a patologia”.

Outro exemplo “é o alopurinol, que é usado no tratamento da gota e prevenção da hiperuricemia, elevados níveis de ácido úrico”, e que deve ser tomado após as refeições, para reduzir o risco de efeitos ditos indesejáveis, como náuseas ou vómitos. Também quem tem problemas osteoarticulares tem de ter cuidados extra, caso tomem ácido alendrónico (um bifosfonato), para tratamento da osteoporose, que tem de ser tomado 30 minutos antes das refeições, porque senão ada é absorvido e o medicamento não produz qualquer efeito”.

“É muito importante ouvir os médicos na consulta”, sumariza o especialista em Medicina Geral e Familiar, em declarações à Executive Digest, procedendo a explicar alguns exemplos de reações entre alimentos e medicamentos:

Varfarina e camomila, vegetais verde-escuros, alguns chás

A varfarina é um anticoagulante oral, “feito diariamente por quem tem problemas de coagulação, para evitar tromboembolismos e enfartes, por exemplo”, e “reage com alimentos com grandes níveis de vitamina K. “Vai potenciar o nível da varfarina se tomar chás de camomila, ginkgo biloba. Por outro lado, vai reduzir o efeito se tomar chá verde e hipericão”, explica Pedro Barreira, apontando que “os doentes que tomam este medicamento normalmente levam uma lista do médico do que não devem comer.”

Já vegetais verde-escuros, como brócolos, couve ou espinafre com altos níveis de vitamina K, reduzem a eficácia da varfarina. “Não significa que se devam evitar de todo, não se podem é comer sempre”, ressalva.

Ibuprofeno e carne grelhada

Esta reação prende-se com a irritação gástrica. “A medicina funcional, diz-nos que, embora não haja reação direta estabelecida, pode gerar alguns efeitos. Por exemplo, causam irritação gástrica e, se consumir os dois, essa irritação será maior e aumentam os problemas estomacais. O ibuprofeno é uma classe dos anti-inflamatórios não-esteroides, e se consumidos em excesso, pode dar-se o que chamamos de hemorragias digestivas, o sangramento gástrico, que pode ser através do estômago ou através do cólon do intestino grosso. Também, a carne grelhada, especialmente se for muito bem passada, está associada a um aumento do risco de cancro colorretal”, clarifica Pedro Barreira.

Paracetamol e álcool

A ‘velha máxima’ é para ser seguida. “O álcool pode aumentar os riscos dos efeitos colaterais do paracetamol, por causa da toxicidade hepática. Consumir álcool enquanto estamos a fazer o paracetamol, leva a uma sobrecarga do fígado, que pode ser fatal e levar a uma falência orgânica, isto porque as duas substâncias são metabolizadas pelo fígado, e estamos a sobrecarregar este órgão. Pode levar a aumento risco dano hepático”, alerta o médico à Executive Digest.

A mistura causa ainda outros sinais e sintomas, como tonturas, sonolências, dificuldade de concentração. “Há pessoas que desenvolvem hepatites fulminantes, nos casos mais graves e severos!”, sublinha Pedro Barreira.

Antibióticos e lacticínios

“Há uma relação estabelecida entre antibióticos e lacticínios, porque pode haver uma diminuição de eficácia, e levanta também questões de saúde intestinal. Este medicamento pode causar disbiose intestinal, alteração da flora do intestino, e ao fazer o consumo com lacticínios pode ser afetado”, explica. O cálcio que está nos lacticínios pode ligar-se às proteínas da classe das tetraciclinas, que são uns antibióticos muito usados, por exemplo no caso da doxiciclina, no acne e em DSTs, e reduzir a absorção no trato intestinal.

“Vamos ter menos níveis do medicamento no sangue, e o antibiótico reduz de eficácia. Não há nenhum antibiótico que passe que não fale de disbiose. Mas também pode dar-se diarreia e completo desequilíbrio intestinal”. O que podemos fazer? “Podemos ajudar, ao mesmo tempo que tomo antibióticos, respondo aos problemas gastrointestinais com probióticos”, explica Pedro Barreira. Os iogurtes (na sua maioria) são a evitar (como vimos) mas há outras fontes importantes: kefir, pickles, kombucha, miso, kimchi). Também o iogurte natural pode ser recomendado, para “os mais toleráveis e fisiologicamente aptos”.

Estatinas e toranja

Estes fármacos são usados para reduzir os níveis de colesterol no sangue e prevenir o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Ao tomá-los com sumo de toranja ou associado ao consumo deste citrino, “pode levar a um aumento das estatinas no sangue, havendo efeitos colaterais deste medicamento, que são as mialgias. A toranja pode também interferir com a função do fígado, onde é metabolizado o medicamento”, indica o clínico.

Antidepressivos IMAOs, queijos e vinhos envelhecidos

Alguns queijos envelhecidos, como o cheddar ou o parmesão, e vinhos, têm níveis de tiramina altos, fazendo com que a pressão arterial aumente, se consumidos em excesso. “e se estamos a tomar inibidores da monoamina oxidase (IMAOs) vão inibir a quebra de tiramina e vamos ter níveis muito elevados de tiramina, podendo ter uma crise hipertensiva, com palpitações ou náuseas”.

Levotiroxina e qualquer alimento

Este fármaco tem de ser tomado em jejum. A Levotiroxona é utilizada no tratamento de doenças da tiroide. Deve ser tomada de estômago vazio, “por causa da absorção”. “Tem de ser feito compasso de espera, de 15 a 30 minutos, senão a absorção é comprometida. Damos a dosagem menor possível, e vamos monitorizando, de oito em oito semanas, e é avaliado se está a ser tomado devidamente”, explica Pedro Barreira.

Metrodinazol e álcool

O mais conhecido é o ‘Flagyl’ e “é uma boa ideia evitar consumo de álcool enquanto o tomamos”. “É um medicamento que trata infeções bacterianas e parasitárias. O problema é que misturado com álcool há efeitos colaterais muito desagradáveis: vómitos, cefaleias, taquicardia”, resume Pedro Barreira, clarificando que isto acontece “porque interfere com o metabolismo do álcool e vai acumular-se uma substância que é o acetaldeído”.

Antidepressivos ISRS e álcool

Os inibidores seletivos de recaptação de serotonina, atuam na chamada ‘hormona da felicidade’ (o cortisol a do stress). “Há imensos estudos que mostram que o uso de bebidas alcoólicas pode estar associado aos sinais e sintomas que espoletam a doença, e que implicam a prescrição dos fármacos. Está sempre associado a situações que podem ser conflituosas e não-normativas, e mesmo depressões sociais”.

Tenho síndrome depressivo estou medicado com este antidepressivo, posso beber álcool? “Teoricamente não, porque pode aumentar os efeitos sedativos da medicação, levar a aumento da probabilidade de ter insuficiência respiratória, e pode potenciar os efeitos colaterais. Pode haver de facto uma diminuição da eficácia do antidepressivo, já que neste caso vai também afetar a absorção do medicamento”, aponta o médico

E, num caso isolado, posso beber um copo à refeição? “Diria que sim, porque não será feita a toma do medicamento com álcool e será só uma ingesta. Mas normalmente as pessoas que perguntam, estão a falar de uma grande quantidade. Depois chegam à consulta e dizem que a medicação não está a fazer efeito, provavelmente pela interação entre álcool e fármaco”, exemplifica.

Há algum caso em que a toma ocasional ou acidental de um medicamento com determinado alimento pode causar um efeito grave?

Segundo clarifica o médico dos ‘Twin Docs’ Pedro Barreira, “é preciso um período longitudinal para se verificarem efeitos graves”, ou seja, um comportamento repetido.

“Tem de haver uma cronicidade, um período longitudinal, para se verificarem efeitos graves. O mais grave seria uma hepatotoxicidade causada pelo paracetamol, que pode acontecer. Mas para estar predisposto a isso tenho de ser alérgico ao fármaco, ou a ingestão de medicamentos foi numa quantidade gigante, e provavelmente numa situação propositada”, ilustra.

“Na esmagadora maioria dos casos não há nenhuma reação aguda ou emergente que motive ida a urgência”, afirma Pedro Barreira, ressalvando que “cada caso é um caso” e que deve sempre consultar o seu médico e/ou farmacêutico sobre a toma de medicamentos, ouvindo e seguindo os conselhos e indicações dados.

“É preciso também haver uma autoconsciência e uma literacia em saúde cada vez mais forte, porque a acessibilidade aos fármacos é cada fez mais fácil. E as interações medicamentosas e a tolerabilidade aos fármacos, cada vez maiores”, termina o médico, em entrevista à Executive Digest.

De: https://foreveryoung.sapo.pt