Vasco Catarino Soares, neuropsicólogo, elaborou um programa para melhorar a eficiência do nosso cérebro de forma rápida e muito divertida. Do livro, “Exercícios para o cérebro – edição especial Natal”, publicamos um excerto e convidamos a praticar com três estimulantes exercícios.

Desafiar o cérebro

O cérebro precisa de ser desafiado. Entenda-se desafio como a atitude que procura promover atividade que não seja apenas o habitual e o corriqueiro.

O habitual proporciona muito pouco desafio. Os processos que envolve estão já estabelecidos e funcionam em “piloto automático”. Já vimos que a atividade, em especial a que obriga a fazer algo que não dominamos, tem mais potencial para estimular o desenvolvimento neuronal e fazer “crescer” o cérebro.

Uma atitude que devemos estimular e cultivar é a de procurar aprender constantemente. Não é necessário frequentar cursos universitários uns atrás dos outros. Basta procurar saber um pouco mais sobre os assuntos que nos vão aparecendo no dia-a-dia. As notícias que ouvimos ou lemos nos meios de comunicação e que, de algum modo, despertaram o nosso interesse podem ser o mote para ir procurar saber um pouco mais sobre determinado assunto. Se a sua vida está um pouco sedentária e tem algum tempo disponível, procure aprender uma atividade desportiva. Fazer desporto também envolve um processo de aprendizagem. Há toda uma panóplia de movimentos e técnicas necessárias à boa prática de qualquer atividade física. Este processo de aprendizagem vai forçar o seu cérebro a estabelecer novas ligações neuronais. Por conseguinte, estas conexões entre células vão inaugurar relações inexistentes, que agora são úteis na atividade desportiva que está a aprender, mas que, no futuro, poderão proporcionar-lhe novas capacidades que desconhecia. Até pode ver-se, uns meses mais tarde, a realizar ações que desconhecia ser capaz de fazer. É esse o poder dos processos neuronais envolvidos nas aprendizagens. Eles abrem sempre novas capacidades, novas competências que não tínhamos e que ultrapassam a aprendizagem específica que fizemos.

Se não é do tipo desportivo, dedique-se a resolver quebra-cabeças ou jogos de cartas. São também atividades que proporcionam uma boa fonte de entretenimento e promovem o mecanismo de neuroplasticidade cerebral.

As evidências atuais salientam que as atividades desafiantes que proporcionamos ao nosso cérebro ajudam a atrasar o aparecimento do declínio cognitivo e a reduzir a sua velocidade de progressão. Diga-se que o declínio cognitivo não é uma doença, mas sim um processo natural. Todavia, se nada fizermos para o contrariar, o seu aparecimento será mais precoce e evoluirá naturalmente sem obstáculos. Podemos dizer que ele é exponenciado pela falta de desafio, pela inatividade. As pessoas sedentárias, que não se movem muito, não tentam aprender coisas novas, não convivem e não estimulam o cérebro, vêem-se envolvidos nestes processos de declínio cognitivo mais cedo e em grau mais acentuado, do que os que se implicam nestas atividades.

A este papel de inibidor do declínio cognitivo, devemos acrescentar que, ao desafiarmos o cérebro com as atividades estimulantes, atrás mencionadas, também estamos a reforçar as funções cerebrais globais. Estamos a adquirir novas competências e a dotar o cérebro de maior capacidade.

Há ainda um outro benefício de que vos quero falar e que resulta da estimulação frequente do cérebro. Ao desafiarmos o cérebro, vamos dotar o mesmo de uma espécie de capa protetora, que vai ser útil mais tarde, conhecida como reserva cognitiva. A reserva cognitiva é o conjunto de recursos cognitivos (o tal reforço dos neurónios e expansão das ligações entre eles) que protegem o cérebro do processo de envelhecimento e de lesões cerebrais.

Perante a mesma lesão, uma pessoa que tenha uma maior reserva cognitiva vai tolerar melhor os impactos, ou seja, as suas manifestações serão menores e a capacidade de recuperação será maior também. Isto porque a reserva cognitiva caracteriza-se pela capacidade do cérebro em compensar o trabalho das células perdidas, fazendo recurso a vias alternativas. Imagine as funções cerebrais como estradas para chegar a determinadas localidades. Quando uma estrada fica cortada porque, por exemplo, caiu uma ponte, se houver outra disponível, podemos continuar viagem. Uma pessoa com uma boa reserva cognitiva tem mais estradas para ir para onde necessita. Se uma está cortada (lesão cerebral), por sua vez, existem outras que pode usar.

Há um último cuidado que quero prescrever. Não é produtivo estar a criar desafios demasiados difíceis para as nossas possibilidades atuais. Não podemos exigir o impossível ao nosso cérebro. Isto tem dois efeitos nefastos: primeiro, não vamos conseguir resolver o desafio de imediato, o que só cria frustração, stresse e muito cortisol, tendo consequências negativas para o cérebro; depois, porque vai levar-nos à desistência, que pode tornar-se uma atitude crónica, igualmente prejudicial para o nosso bem-estar.

A melhor atitude é criar desafios alcançáveis e progressivos. Se queremos fazer coisas cada vez mais difíceis, devemos fazê-las por fases e dividi-las em pequenas partes, começando pela mais fácil e ir avançando, até à sua conclusão.

De: https://lifestyle.sapo.pt