A hipertensão arterial pulmonar é uma doença de mau prognóstico quando não tratada. Estima-se que o número de pessoas não diagnosticadas seja elevado. Falámos sobre esta doença com a médica Filipa Ferreira, cardiologista da Unidade de Hipertensão Pulmonar no Hospital Garcia de Orta.
Foi recentemente aprovado um novo tratamento para a hipertensão pulmonar pela Comissão Europeia. Que impacto é que este novo fármaco poderá ter na vida dos doentes?
A hipertensão arterial pulmonar é uma doença de mau prognóstico quando não tratada. Felizmente nas últimas três décadas, surgiram medicamentos que conseguem modificar muito favoravelmente o prognóstico da doença. No entanto, e apesar de muitas vezes já serem utilizados uma combinação de 2 ou 3 fármacos para uma acção máxima sobretudo em doentes de risco mais elevado, a doença continua a progredir. Na prática, espera-se que este novo fármaco possa ser utilizado em associação aos medicamentos já atualmente existentes, melhorando significativamente a qualidade de vida e sobrevida dos nossos doentes.
Mas que tratamento é este?
Sotatercept é o nome do fármaco recentemente aprovado pela entidade reguladora europeia e tem um mecanismo de acção distinto dos atualmente existentes, com uma acção anti-proliferativa e que pode travar a progressão da doença.
Qual a origem da Hipertensão Arterial Pulmonar e como se manifesta?
A hipertensão arterial pulmonar é uma doença rara que consiste num aumento da pressão das artérias pulmonares que ficam espessadas e com lúmen estreitado, limitando a circulação de sangue. Normalmente, o primeiro sintoma é a falta de ar ou cansaço para esforços progressivamente menores, que vai agravando até uma limitação funcional muito significativa. Isto traduz-se em dificuldade de desempenhar pequenas tarefas do dia a dia, como estender a roupa, fazer a cama, tomar banho ou mesmo pequenas caminhadas. Numa fase mais avançada podem surgir sintomas sugestivos de insuficiência cardíaca direita, como inchaço das pernas ou da barriga, desmaio com o esforço, rouquidão ou tosse com expectoração com sangue.
Como é feito o diagnóstico desta doença?
O diagnóstico não é fácil porque os sintomas são muito inespecíficos, mas existe um exame muito simples, de fácil acesso, que pode ser pedido por qualquer médico, que é o ecocardiograma. Este exame permite detetar sinais diretos ou indiretos de hipertensão pulmonar. Quando existem sinais diretos e/ou indiretos, os doentes devem ser referenciados para centros especializados para a confirmação do diagnóstico, que é sempre feito através de um cateterismo cardíaco direito.
Que consequências pode ter para o organismo?
Quando não tratada, a hipertensão arterial pulmonar é uma doença progressiva e o aumento da pressão das artérias pulmonares induz um esforço adicional ao ventrículo direito, que numa fase inicial tem mecanismos para vencer este aumento de pressão. Com a progressão da doença, acaba por causar insuficiência cardíaca direita, sendo este o principal motivo de morte nestes doentes.
Como se trata a Hipertensão Arterial Pulmonar? A cura é possível?
Trata-se sobretudo com recurso a medicamentos específicos de utilização exclusivamente hospitalar, ou seja, medicamentos que não existem à venda nas farmácias da comunidade.
Existem atualmente 10 fármacos distintos, embora todos eles atuem apenas em 3 vias, com o principal objetivo de dilatar as artérias pulmonares e, por esse motivo, denominam-se de fármacos vasodilatadores pulmonares. Habitualmente, utilizam-se de uma forma combinada, porque a atuação nas diferentes vias melhora a eficácia destes fármacos. A cura ainda não é possível e a toma desta medicação é para toda a vida.
Há dados que indicam que a Hipertensão Arterial Pulmonar é mais frequente em mulheres. O que pode explicar esta maior incidência no sexo feminino?
É verdade que as mulheres são mais frequentemente atingidas por esta doença. Cerca de 75% dos casos diagnosticados em Portugal são em mulheres. Na verdade, ainda não se sabe o motivo exato. Pensa-se que possa estar relacionado com o papel dos estrogénios no desenvolvimento da doença e, inclusivamente, estão em estudo alguns fármacos que atuam nesta via. Por outro lado, umas das principais causas da hipertensão arterial pulmonar são as doenças do tecido conjuntivo, nas quais as mulheres também são muito mais frequentemente afetadas.
Aponta-se para a existência de 300 doentes em Portugal com Hipertensão Arterial Pulmonar diagnosticada, mas a Associação Portuguesa de Hipertensão Pulmonar acredita que haja mais doentes por diagnosticar. O que poderia ser feito em Portugal para melhorar o diagnóstico e tratamento desta doença?
Concordo que a prevalência da doença deve estar subestimada. Além disso, os casos que nos chegam aos Centros de Referência já vêm, muitas vezes, numa fase muito avançada da doença, com muitos meses decorridos desde o início dos sintomas. Um dos focos dos profissionais que trabalham nesta área é precisamente criar awareness da doença junto da comunidade médica e da população em geral. É necessário, em primeiro lugar, valorizar os sintomas. Como se instalam progressivamente, muitas vezes são desvalorizados pelo próprio, que acaba por se adaptar a uma vida cada vez mais limitada. Outras vezes são desvalorizados pelos médicos, por serem sintomas muito frequentes. É importante objetivar os sintomas com perguntas específicas e comparando-os com outras pessoas da mesma idade. E, depois, é ter um baixo limiar para a realização de ecocardiograma que, como já disse, é fácil, barato e acessível.
Portugal dispõe de Centros de Referência para o diagnóstico e tratamento de Hipertensão Arterial Pulmonar que têm equipas multidisciplinares diferenciadas e disponíveis para avaliar e orientar os doentes referenciados. Felizmente, temos ao nosso dispor todas as terapêuticas disponíveis na Europa e estamos muito ansiosos por podermos contar com o fármaco recentemente aprovado, por acreditarmos que poderá ser um complemento com impacto muito favorável no futuro dos nossos doentes.