O neurocirurgião Rahul Jandial leva-nos numa viagem aos meandros do sono. Não dormir compromete a nossa saúde, tira-nos anos de vida e, em extremo, provoca a morte. Quanto sono é suficiente? O que se considera insónia? Entre as perguntas aqui respondidas num excerto a partir do livro “Neuro Fitness”.

No seu livro Neuro Fitness (edição contraponto), o neurocirurgião Rahul Jandial convida o leitor a entrar no seu bloco operatório, mas também no seu laboratório de pesquisa, nas suas missões humanitárias um pouco por todo o mundo. O autor propõe, ainda, uma viagem aos limites da neurociência. O também presidente da International Neurosurgical Children´s Association explica-nos os porquês de manter uma boa saúde mental e o rejuvenescimento da mente.

O médico e investigador aponta-nos caminhos para melhorar a memória, diminuir a dor, impulsionar a criatividade, manter uma mente jovem, controlar o stresse e as emoções e ter uma melhor prestação em situações de pressão. Um dos aspetos essenciais para uma vida duradoura e saudável é um bom sono. Rahul Jandial aprofunda o tema no excerto que publicamos abaixo.

Sono. Quanto é suficiente?

Em 1995, o investigador do sono Allan Rechtschaffens concebeu uma experiência para ver o que aconteceria se mantivesse ratazanas acordadas durante um período prolongado de tempo. Passados alguns dias, a temperatura do corpo dos roedores começou a baixar, e foram perdendo peso, apesar de estarem a comer mais. Surgiram‑lhes úlceras nas caudas e nas patas. Algumas semanas depois, morreram todas.

Nos seres humanos, uma doença genética extremamente rara e incurável, chamada insónia familiar fatal, provoca uma incapacidade total de dormir quando o indivíduo afetado chega a uma determinada idade, normalmente aos cinquenta anos. Ao fim de seis a trinta meses sem dormir, os pacientes morrem.

Portanto, embora possamos não compreender porque precisamos de dormir, é óbvio que nos faz falta. Mas quanto? Como interno de cirurgia na década de 1990, eu e outros médicos tínhamos de fazer turnos que podiam chegar às 40 horas seguidas, com os cirurgiões em formação a terem semanas de trabalho de 120 horas. No entanto, vários estudos mostraram que os médicos com privação de sono cometem bastante mais erros clínicos do que aqueles que descansam mais. Assim, a partir de 2003, a organização que gere a formação médica nos Estados Unidos impôs limites rígidos para o tempo passado pelos internos sem dormir.

Estabeleceu‑se um limite de 80 horas semanais para os formandos médicos e cirúrgicos, com a exceção de 88 horas para os internos de neurocirurgia. (Inicialmente, tentaram impor um limite de 80 horas também para os internos de neurocirurgia, como no caso dos restantes, mas, como somos tão poucos, os hospitais verificavam sempre falta de recursos humanos quando surgiam emergências. Imagino que tenham percebido que a única coisa pior do que um neurocirurgião jovem cansado, quando há alguém com uma hemorragia cerebral, é não ter qualquer neurocirurgião).

Não obstante, há quem insista que aguenta bem com quatro ou cinco horas de sono por noite – com efeito, há empresários e estudantes universitários que se gabam do muito que conseguem passar sem dormir. «Quando morrer, logo durmo», dizem. O mais provável será que venham a morrer por falta de dormir.

Uma análise feita em 2010 a dezasseis estudos anteriores, que tinham envolvido mais de 1,3 milhões de pessoas, descobriu que quem dormia, em média, menos de seis horas por noite tinha mais 12% de probabilidade de vir a morrer antes dos sessenta e cinco anos de idade do que quem dormia seis a oito horas por noite. Todavia, o mesmo estudo descobriu que quem dormia mais de nove horas por noite corria um risco 30% acrescido de morte prematura.

Outros estudos revelaram toda uma panóplia de riscos para a saúde associados ao excesso ou à falta de sono. O Nurses’ Health Study, por exemplo, descobriu que as mulheres que dormiam mais de nove horas por noite tinham um risco 38% acrescido de sofrerem de doenças cardíacas, quando comparadas com as que dormiam oito horas. E um estudo realizado pela American Heart Association descobriu que quem já tem síndrome metabólica (peso, nível de açúcar no sangue e tensão arterial elevados) duplica o risco de morte se dormir menos de seis horas por noite.

Claro que a necessidade de sono varia profundamente ao longo da vida. A maior parte dos bebés e das crianças pequenas dedicam metade de cada período de vinte e quatro horas ao sono, ao passo que os adultos com mais de sessenta e cinco anos se dão bem com sete horas por noite. À semelhança de tantas outras pessoas, eu esforço‑me por dormir bem.

Vejamos as mais recentes recomendações da National Sleep Foundation.

DURAÇÃO RECOMENDADA DO SONO

Crianças em idade escolar (6–13 anos)

Recomendado

9–11 horas

Poderá ser adequado (mínimo e máximo)

7 a 8 horas – 12 horas

Não recomendado

Menos de 7 horas. Mais de 12 horas

Adolescentes (14–17 anos)

Recomendado

8–10 horas

Poderá ser adequado (mínimo e máximo)

7 horas a 11 horas

Não recomendado

Menos de 7 horas. Mais de 11 horas

Jovens adultos (18–25 anos)

Recomendado

7–9 horas

Poderá ser adequado (mínimo e máximo)

6 horas. 10–11 horas

Não recomendado

Menos de 6 horas. Mais de 11 horas

Adultos (26–64 anos)

Recomendado

7–9 horas

Poderá ser adequado (mínimo e máximo)

6 horas. 10 horas

Não recomendado

Menos de 6 horas. Mais de 10 horas

Adultos mais velhos ≥ 65

7–8 horas

Poderá ser adequado (mínimo e máximo)

5–6 horas. 9 horas

Não recomendado

Menos de 5 horas. Mais de 9 horas

Devemos, sobretudo, prestar especial atenção aos níveis não recomendados. Embora os períodos recomendados sejam os ideais, a grande causa de preocupação prende‑se com os níveis «não recomendados».

Nunca se recupera o sono perdido

Quando se legislou o máximo de tempo que os médicos internos podiam trabalhar consecutivamente sem dormir, a maioria das leis incluía a obrigação adicional de que os internos tivessem, pelo menos, quatro dias completos de folga por mês. O meu diretor da altura ofereceu‑nos a possibilidade de tirarmos um dia de folga semanal, mas os internos rejeitaram a proposta. Eu sabia que era o segundo dia de folga – dois dias seguidos – que levava ao repouso total.

Na primeira manhã após uma semana de trabalho de 120 horas há demasiada confusão. Só depois da segunda manhã sem pôr o despertador é que eu sentia a clareza e a calma que o sono nos proporciona: a sensação de que voltámos a ser humanos. Apenas então é que sentia que recuperara o sono. De modo a obter essa sensação de repouso associada à segunda manhã a dormir à vontade, decidi trabalhar doze dias seguidos, para ter dois dias de folga consecutivos.

Apesar do vetusto e arraigado conceito de que não se pode recuperar o sono, novas pesquisas mostram que sim, podemos, o que vai ao encontro da minha experiência. E embora o stresse físico sustentado durante quase uma década de privação de sono tenha, provavelmente, afetado a minha saúde, este estudo é reconfortante, pois diz que pelo menos uma parte dos riscos acumulados para a saúde foram parcialmente mitigados por esses períodos de folga de dois dias. Em última análise, os fins de semana são uma maneira eficaz de recuperar o sono, por isso, se passa a semana em privação de sono, garanta ambas as manhãs do fim de semana. É o que eu faço.

Escuro à noite, luz de dia

Permitam‑me que lance alguma luz, por assim dizer, sobre um fator que pode afetar não só a duração e a qualidade do sono, mas também a sua saúde de um modo geral: demasiada luz à noite e pouca durante o dia. Temos um mecanismo de regulação do tempo incorporado no hipotálamo. (Chamei‑lhe zona cirúrgica proibida, no capítulo 1, devido à sua importância.) Situa‑se no centro do cérebro e contém um pequeno aglomerado de cerca de 20.000 neurónios altamente especializados que recebem informações diretas a partir dos olhos. Estes neurónios (conhecidos de forma coletiva como núcleo supraquiasmático) indicam ao hipotálamo a alteração do ciclo noite‑dia.

Em seguida, o hipotálamo processa a informação, para regular o comportamento, os níveis hormonais, o sono e o metabolismo. Três cientistas descobriram alguns dos genes que medeiam os nossos ritmos biológicos durante um ciclo de vinte e quatro horas e receberam o Prémio Nobel, em 2017. O comité do Nobel disse que «conseguiram ver o interior do nosso relógio biológico», ao explicarem como as plantas, os animais e os seres humanos adaptam o ritmo biológico de modo a ficarem sincronizados com as revoluções da Terra.

A perturbação desse ritmo biológico está intimamente ligada a um conjunto variado de doenças, como a obesidade, a diabetes de tipo 2, a depressão e até o cancro. David E. Blask, do Laboratório de Oncologia Crono‑Neuroendócrina, resume‑o bem: «Evoluímos para ver luz azul brilhante e de espectro total durante o dia e para ter escuridão absoluta à noite», refere Blask. «Ambas são bastante saudáveis para o nosso sistema circadiano. Tem que ver com um equilíbrio oscilatório entre luz e escuro em condições naturais».

Dito isto, ninguém vai voltar a viver em cavernas sem eletricidade, e hoje em dia são poucos os empregos que envolvam trabalho no exterior. Mas, para ter uma melhor noite de sono e para promover a sua saúde global, recomendo que evite luz brilhante à noite, na medida do possível, e que saia pelo menos vinte minutos por dia para apreciar a luz do Sol. Se, por algum motivo, não puder sair, adquira lâmpadas brancas brilhantes com todo o espectro.

Afinal, o termo «sombrio» é usado para descrever tanto a falta de luz como o estado de espírito depressivo!

Insónia

O termo «insónia» é usado livremente, mas, de acordo com a mais recente definição da Associação Psiquiátrica Americana, é preciso cumprir cinco critérios para que se faça um diagnóstico:

  1. Estar insatisfeito com a qualidade ou a quantidade de sono que se tem, quer seja devido a dificuldade em iniciar ou manter o sono ou por acordar cedo e não conseguir voltar a adormecer. Portanto, se não estiver insatisfeito – ainda que se enquadre nos outros critérios –, não sofre de insónias.
  2. A falta de sono estar a perturbar ou a dificultar gravemente a sua vida pessoal ou profissional, quer devido ao seu comportamento, quer a nível das emoções. Assim, ainda que esteja insatisfeito com o tempo que dorme, se isso não provocar problemas, não é insónia.
  3. A sua dificuldade com o sono durar há pelo menos três meses e ocorrer no mínimo três vezes por semana.
  4. A dificuldade continuar, ainda que tenha oportunidade de dormir. Logo, não ser provocada pelo trabalho nem por outras exigências.
  5. A falta de sono não ser cabalmente explicável por outras perturbações físicas ou mentais.

As estimativas quanto ao número de pessoas com insónia variam profundamente, com certos estudos dúbios a afirmarem que cerca de um terço de todos os adultos sofre de insónias, o que é ridículo. O melhor estudo de que tenho conhecimento foi um inquérito de saúde norueguês, publicado em 2014, que envolveu mais de 40.000 inquiridos. (Chegaram a entrar novamente em contacto com quem não havia respondido ao inquérito e conseguiram mais 7000 respostas a duas questões sobre o sono.)

Chegou‑se à conclusão de que 9,4 % das mulheres e 6,4 % dos homens se encaixavam no perfil de pacientes com insónia, segundo os critérios restritos indicados acima. Mas quem afirmou que a sua saúde, de um modo geral, era «muito má» apresentava oito vezes – ou seja, 800 % – mais probabilidade de sofrer de insónia do que quem dizia ter uma saúde «muito boa».

De: https://lifestyle.sapo.pt