O Dia Nacional da Doação de Órgãos e da Transplantação (DNDOT), que se assinala a 20 de julho, é uma data de grande significado para a medicina em Portugal. Foi há precisamente 55 anos, em 1969, que o Professor Linhares Furtado e a sua equipa realizaram o primeiro transplante renal com dador vivo no país, marcando o início de uma nova era na transplantação.

Há vários anos que Portugal se destaca a nível mundial na colheita e transplante de órgãos de dadores falecidos. Em 2023, segundo dados do IRODAT 1o país ocupou o terceiro lugar no mundo em colheitas de órgãos e transplantes renais de dador falecido por milhão de habitantes. Este sucesso deve-se, sobretudo, à generosidade dos dadores e das suas famílias. Mas é também fruto do trabalho incansável, esforço e resiliência de múltiplas equipas – profissionais de saúde, bombeiros, forças de segurança e de todos os que estão envolvidos, direta ou indiretamente, nesta atividade.

A importância dos hábitos saudáveis

Os hábitos de vida saudáveis são cruciais para a recuperação, bem-estar geral e qualidade de vida dos transplantados. A prática de exercício físico regular, alimentação equilibrada, gestão de stress e sono adequado são fundamentais para o sucesso de um transplante. Estes hábitos ajudam na recuperação pós-operatória, previnem complicações e promovem uma melhor qualidade de vida. A prática desportiva, por exemplo, melhora a capacidade cardiovascular e a resistência física, essenciais para a recuperação dos transplantados. Bem como, uma alimentação variada e rica em nutrientes essenciais contribui para um bom estado nutricional, o que ajuda a cicatrização e fortalece o organismo contra infeções.

O papel da inteligência artificial

A inteligência artificial (IA) está a transformar a medicina, incluindo a área da transplantação. A IA pode ser uma ferramenta valiosa em várias fases do processo da transplantação, desde a deteção precoce de lesões nos órgãos nativos até à prevenção da rejeição dos órgãos transplantados.

Algoritmos de IA podem analisar grandes volumes de dados médicos para identificar padrões que indiquem o início da doença, promovendo assim a sua deteção e tratamentos precoces, antes da situação se tornar irreversível e evitando a necessidade de um transplante. No ambiente hospitalar, a IA pode otimizar a sinalização e seleção de dadores falecidos. Na alocação de órgãos, a IA pode facilitar e aumentar a precisão da compatibilidade dador-recetor, reduzindo o risco de rejeição.

No pós-transplante, a IA pode ser uma ajuda importante na monitorização do estado de saúde dos doentes, alertando os médicos para qualquer anomalia que possa indicar uma rejeição ou complicação, promovendo uma ação rápida e precisa por parte dos profissionais de saúde. Além disso, pode permitir personalizar o tratamento de cada doente, sugerindo ajustes na dosagem de medicamentos imunossupressores e outros protocolos de acordo com as características individuais.

Desafios e oportunidades

Apesar dos avanços, ainda enfrentamos desafios significativos. A 31 de dezembro de 2023, cerca de 1900 doentes aguardavam por um transplante renal. Precisamos de mais profissionais, melhores equipamentos e maior investimento nesta área. A tecnologia e a medicina têm permitido transplantar órgãos que anteriormente não seriam considerados adequados, utilizando processos de recondicionamento que melhoram a sua qualidade. No entanto, estes avanços ainda não estão implementados em todos os órgãos. Estratégias deste tipo podem aumentar o conjunto de órgãos disponíveis para transplante.

Outra estratégia é aproveitar ao máximo a doação de órgãos de dadores falecidos. Assim, além das colheitas em dadores em morte cerebral e em dadores em paragem cardiorrespiratória não controlada, já em vigor no nosso país, devemos estender esta possibilidade de colheita aos dadores em paragem cardiorrespiratória controlada, à semelhança do que acontece em muitos países. Estes são dadores que sofrem paragem cardíaca irreversível, geralmente em ambiente hospitalar, mas não cumprem os critérios de verificação de morte cerebral. A possibilidade de colheita nestes dadores impõe alterações legislativas no nosso país, estando a realizar-se esforços nesse sentido.

Além de que é necessário melhorar o acesso ao transplante e o acompanhamento dos transplantados. A realização de exames em locais próximos da residência dos doentes e a promoção de vídeo e teleconsultas com disponibilidade dos resultados desses exames, podem otimizar as condições de avaliação, assistência e qualidade de vida dos transplantados. Estas medidas também trariam benefícios ambientais, reduzindo a necessidade de viagens quer para a realização dos exames, quer para as consultas.

Conclusão

A introdução da inteligência artificial e outras inovações tecnológicas perspetivam um avanço significativo na doação e transplantação de órgãos. Enquanto os hábitos saudáveis continuam a ser fundamentais para fortalecer o corpo e acelerar a recuperação, a IA traz uma nova dimensão de precisão e eficiência a todas as etapas do processo de transplante. Esta combinação de práticas estabelecidas e tecnologias emergentes não só aumentará as taxas de sucesso, mas também melhorará a qualidade de vida dos doentes transplantados, permitindo-lhes celebrar a vida com saúde e vitalidade.

Um artigo da médica Cristina Jorge, Presidente da Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT).

De: https://lifestyle.sapo.pt