“Água é vida”. Para além da óbvia constatação que retiramos desta frase, tantas vezes repetida, quisemos perceber “o estado da arte” das águas minerais naturais e de nascente em Portugal. Uma conversa com Alcino Sousa Oliveira, Hidrogeólogo, também investigador e docente da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

A generalidade dos leitores não estará familiarizada com o trabalho de um hidrogeólogo. Quer, em breves palavras, apresentar-se e descrever qual o papel de um hidrogeólogo?

Um hidrogeólogo é um especialista com formação superior que investiga e estuda águas subterrâneas, nomeadamente, sobre a origem, a natureza e as características, a qualidade e a quantidade das mesmas. Desenvolve ainda trabalhos de prospeção e pesquisa, por forma a identificar e caracterizar os sistemas aquíferos e identificar os melhores locais para a execução de captações, bem como projetos de exploração, de gestão, de proteção e vigilância de captações e de sistemas aquíferos, de modo a garantir a exploração sustentada dos recursos hídricos subterrâneos.

Existe atualmente uma maior literacia em relação às águas e às suas diferentes qualidades. É comum escutar-se a frase “as águas não são todas iguais”. Para lá da vulgarização da expressão, há que lhe descortinar os factos. O que distingue as águas?

Penso que se quer referir às diferentes tipologias e características físico-químicas das águas, em particular das águas subterrâneas. Tal como dizia Plinio, historiador, naturalista e oficial romano, “tales sunt acquae qualis Terra per quam flunnt”, que significa algo como “tais são as águas como as terras por onde fluem”, de facto as águas subterrâneas não são todas iguais e, já no passado essa perceção era evidente. Nos dias de hoje, podemos constatar isso com alguma facilidade, basta “ler” os rótulos constantes nas águas engarrafadas [minerais naturais e de nascente], onde se expressam os parâmetros físico-químicos principais. Esses parâmetros refletem o perfil físico-químico da água, que por sua vez se associa à assinatura geoquímica da rocha, ou rochas, por onde circulou. É fácil de entender, as diferentes rochas têm composições mineralógicas diferentes, e estes minerais integram diferentes componentes químicos na sua constituição, pelo que nos processos hidrogeoquímicos de interação água-rocha, mais ou menos longos no tempo e profundos, a água vai incorporar elementos específicos dos minerais com que reage. Por exemplo, de uma forma simplista, a água subterrânea ao reagir com o mineral calcite, do calcário, vai incorporar cálcio, que é um elemento químico que faz parte da composição daquele mineral. Assim, as águas subterrâneas associadas a rochas calcárias são naturalmente cálcicas. O mesmo exercício pode ser feito para as outras rochas. Deste modo, em função das tipologias de rochas temos águas distintas, sódicas, cálcicas, magnesianas, entre outras.

Sublinha-se, por fim, que Portugal Continental oferece uma riqueza enorme e ímpar de tipologias de águas minerais naturais e de nascente, que decorre naturalmente da multiplicidade de litologias (rochas) ocorrentes no país.

Falou há pouco do tempo em que a água permanece em contacto com a rocha. Quer pormenorizar?

Sim, o chamado tempo de residência, que se pode entender como o tempo em que a água subterrânea está em contacto com as rochas, que pode ser da ordem das centenas ou até dos milhares de anos. Este, quanto maior for, mais significativo será o processo de interação água-rocha e, portanto, maior será o enriquecimento da água em elementos químicos, do que resultará assim uma água mais mineralizada, ou com um total de sais dissolvidos superior. A própria temperatura da água na emergência é influenciada com a profundidade que esta atingiu no percurso subterrâneo que pode ser da ordem das centenas ou dos milhares de metros, onde o gradiente geotérmico mostra que a temperatura aumenta em profundidade.

Como avalia qualitativamente as águas minerais e de nascente portuguesas

Devemos orgulharmo-nos quanto à qualidade das águas minerais naturais e de nascente nacionais. A legislação que rege a qualidade destas águas é muito rigorosa, no sentido de salvaguardar a qualidade de um produto natural, único e irrepetível, e da proteção da saúde pública. As entidades envolvidas nesta salvaguarda, como os Concessionários e os Diretores Técnicos das explorações, a Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG) e a Direção Geral da Saúde (DGS), trabalham todos os dias no sentido de colocar no mercado águas de excelente qualidade do ponto de vista físico-químico e bacteriológico, com as caraterísticas invioláveis, tal como são extraídas das captações, sem qualquer tratamento.

A proteção dos aquíferos, ou dos sistemas aquíferos, é matéria de extrema importância, não só no que se refere à qualidade e características físico-químicas únicas de cada água, mas também da quantidade, que no conjunto são articuladas de modo a manter a relevância e a sustentabilidade do recurso, sendo da nossa responsabilidade transmiti-lo aos nossos descendentes, tal como nos foi oferecido pela natureza. Nesta matéria, a constituição de Perímetros de Proteção às captações e aquíferos, em conformidade com o regime jurídico relativo aos Recursos Geológicos, Lei nº 54/2015, 22 de junho, constitui uma ferramenta de Gestão/Ordenamento do território dentro dos quais se interditam ou condicionam instalações e atividades antrópicas suscetíveis de poluírem ou constituírem dano para as águas subterrâneas, em concreto para as águas minerais naturais e para as águas de nascente. Acresce, também, que as áreas afetas aos perímetros de proteção são frequentemente sujeitas a rondas de vigilância por parte dos concessionários das explorações, de modo a identificar situações que possam ser potencialmente danosas para o recurso, no sentido de ativarem os mecanismos necessários à sua mitigação ou eliminação.

Quer explicar aos leitores a diferença entre uma água mineral natural gasocarbónica e uma água gaseificada? Há vantagens no consumo da primeira face à segunda?

Ambas as águas contêm na sua composição gás, nomeadamente dióxido de carbono (CO2), tal qual como acontece nos refrigerantes gaseificados. A diferença está no facto de que, no caso das águas gasocarbónicas, o CO2 é de origem natural, isto é, já faz parte da composição natural da água mineral natural, por isso a água explorada na captação já contém esse gás. No caso da água gaseificada, esse gás não faz parte da composição natural da água explorada na captação, sendo artificial e injetado na água no momento do engarrafamento …

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