A partir do final do mês de novembro (e ao longo de quase todo o mês de dezembro), as decorações das ruas, as publicidades na televisão e os eventos marcados na agenda começam a ser dominados por um só tema: o Natal. E se, para muitas pessoas, esta é uma época de alegria e de celebração, para quem está isolado ou se sente sozinho, pode ser uma altura de muito sofrimento em que as emoções e sensações negativas ganham mais força.
Em declarações ao Viral, Ana Mafalda Ferreira, psicóloga, terapeuta de casal e familiar e codiretora clínica da Academia Transformar, explica quais os riscos da solidão e do isolamento social para a saúde e expõe algumas estratégias para lidar com estes desafios emocionais.
Antes de mais, Ana Mafalda Ferreira considera importante distinguir “solidão” de “isolamento social”, já que estes dois conceitos nem sempre são sinónimos.
Nas palavras da psicóloga, a solidão é “uma experiência emocional negativa relacionada com a qualidade das conexões”. Ou seja, é possível uma pessoa experienciar solidão “mesmo estando rodeada de pessoas”, caso não se sinta vista, reconhecida e apoiada pelas pessoas que tem ao seu redor.
“A qualidade das conexões também tem muito impacto neste sentimento de solidão. Nós precisamos de conexões significativas”, acrescenta.
Por outro lado, o isolamento social corresponde à “falta de contactos” e é também, muitas vezes, uma “experiência negativa” por estar relacionado com uma “desconexão social”.
A solidão e o isolamento social têm impactos reais na saúde individual e pública, reconhecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que, no final de 2023, anunciou a criação de uma Comissão para a Conexão Social.
Na página da OMS dedicada a essa comissão, pode ler-se que “o isolamento social e a solidão têm impactos graves, e ainda pouco reconhecidos, na nossa saúde e na nossa longevidade”.
Segundo a mesma fonte, “as pessoas que não têm ligações sociais correm um maior risco de morte prematura”.
“O isolamento social e a solidão estão também associados à ansiedade, à depressão, ao suicídio e à demência e podem aumentar o risco de doenças cardiovasculares e de acidentes vasculares cerebrais”, acrescenta-se.
No mesmo sentido, a psicóloga consultada pelo Viral explica que a experiência emocional de solidão prolongada pode ter impacto na saúde física, por exemplo, “a nível de uma depressão no sistema imunológico”, “no sono” e até “na nossa capacidade cognitiva”, porque, “como somos seres relacionais, estando desprovidos deste contacto, isso acaba por ter um impacto a vários níveis no nosso organismo”.
Em termos de saúde mental, a solidão prolongada “está fortemente associada ao desenvolvimento de sentimentos de tristeza, de desesperança, de ideação suicida, de abuso de substâncias, da ansiedade e pode aumentar os níveis de stress relativamente à ausência das redes de apoio, o que dificulta a capacidade de lidar com os desafios e as adversidades”, aponta a psicóloga.
Este sentimento pode também, por outro lado, prejudicar a autoestima ao “influenciar a forma como nós nos vemos e como gostamos de nós próprios”.
Porque é que a época festiva pode potenciar estes sentimentos?
As “expectativas sociais à volta destes rituais” e o facto de, nesta altura, estarmos, culturalmente, “mais voltados para a família e para as relações mais significativas que temos à nossa volta”, podem contribuir para que, em algumas pessoas, a experiência emocional de solidão se intensifique e que “outros sentimentos – nomeadamente de depressão, de ansiedade e de stress – fiquem mais agudos também nesta fase”.
Nesta fase, é normal que as pessoas sejam visitadas (e afetadas) por “memórias de festas passadas em que tinham estas conexões positivas ou negativas”.
A “comparação social” tem também algum peso neste contexto, já que estes são “dias em que as pessoas naturalmente se organizam para estar só em família”.
Tudo isto contribui para “agudizar um quadro que pode já estar frágil à partida”. Logo, nesta altura do ano, os “riscos principais” associados à solidão e ao isolamento social “ficam mais severos e podem ficar mais presentes”.
Como lidar com a solidão nesta altura do ano? E como ajudar quem está (ou se sente) só?
Para quem está a lidar com a solidão ou o isolamento social, Ana Mafalda Ferreira aconselha, num primeiro plano, adotar estratégias de “autocuidado” e “manter o foco no momento presente”.
Na perspetiva da psicóloga, o autocuidado e o foco deve ser orientado para as nossas “necessidades básicas”, como “o sono, o exercício e a alimentação”, mas também para a execução de “atividades de que a pessoa goste”.
É também recomendado manter o “contacto com pessoas”, por exemplo, participando nas “atividades organizadas pela comunidade ou por instituições” nesta altura do ano.
Recorrer “às tecnologias” para falar com pessoas que estão mais distantes também pode ser uma “fonte positiva ou eficiente” de aproximação.
Para quem considera o Natal uma data significativa, “criar um ritual próprio para celebrar e honrar aquela data”, mesmo que o faça sozinho, pode ajudar a “atenuar esses sentimentos”.
Noutro plano, para quem quer diminuir o sentimento de solidão e o isolamento social de outras pessoas, a psicóloga acredita que a criação de “iniciativas comunitárias que promovam a interação social” – como grupos de apoio, clubes e atividades recreativas – é fundamental.
No mesmo sentido, o desenvolvimento de “programas ou até de uma estrutura que permita que se utilize a tecnologia, por exemplo, para facilitar conexões” também pode ser uma boa ideia.
Nesta altura do ano, a psicóloga considera também crucial apostar em educar e sensibilizar a população para os impactos da solidão e do isolamento social, de forma a estarmos mais atentos, “sensibilizados e ativos” para ajudar alguém que possa estar próximo de nós e a precisar de companhia e atenção.