Num vídeo partilhado no TikTok recomenda-se a ingestão de gemas de ovos para proteger o cérebro. Segundo o protagonista do vídeo, “a gema do ovo é muito importante para o cérebro”, porque contém colesterol e, acrescenta, “estudos mostram que quanto mais colesterol tem no cérebro, mais tempo vai viver”. Mas será mesmo assim? Níveis elevados de colesterol no cérebro são benéficos? E o colesterol que vamos buscar à alimentação tem impacto na saúde do cérebro?

Altos níveis de colesterol no cérebro são benéficos para a saúde?

Em esclarecimentos ao Viral, os nutricionistas Vítor Hugo Teixeira e Gabriela Ribeiro começam por avançar que, ao contrário do que é defendido no vídeo em análise, níveis elevados de colesterol no cérebro não são benéficos para a saúde.

Tal como já tinha esclarecido o neurologista Rui Araújo “níveis de colesterol tendencialmente elevados não são bons para a saúde do cérebro”.

Aliás, salienta Vítor Hugo Teixeira, sabe-se que “níveis desregulados podem causar problemas”, ou seja, “quer o excesso, quer o defeito de colesterol no cérebro podem afetar a sua normal função”.

Gabriela Ribeiro explica que “os lípidos, nos quais se incluem o colesterol, são nutrientes muito importantes para todos os seres vivos e desempenham um papel importante na fisiologia do cérebro”.

Segundo a professora na NOVA Medical School (NMS), “o cérebro é o segundo órgão mais rico em colesterol (a seguir ao tecido adiposo), contendo aproximadamente 25% do colesterol total do corpo”.

Na perspetiva de Vítor Hugo Teixeira, “esta grande concentração de colesterol no cérebro significa que o colesterol deve desempenhar um papel muito importante, quer na sua constituição, quer no seu funcionamento”.

Por exemplo, refere Gabriela Ribeiro, sabe-se que níveis elevados de colesterol no cérebro podem “exacerbar a acumulação de beta amiloide (Aβ), que é uma característica chave da doença de Alzheimer”.

Esta ideia também é evidenciada na última revisão da revista científica The Lancet, em que o colesterol elevado no cérebro é referido “como um fator que pode contribuir para a demência”, apontava Rui Araújo.

Noutro plano, também se tem conhecimento de consequências para a saúde em contextos de baixos níveis de colesterol no cérebro.

Vítor Hugo Teixeira adianta que a diminuição de níveis de colesterol no cérebro está associada a “alguma perda de comunicação e plasticidade no cérebro, podendo estar na base de doenças neurodegenerativas”, como “o Alzheimer ou o Parkinson”.

Os alimentos ricos em colesterol têm impacto nos níveis de colesterol no cérebro?

No vídeo em análise, recomenda-se a ingestão de gemas de ovos para aumentar o colesterol no cérebro. Os nutricionistas contactados pelo Viral explicam o porquê de essa não ser uma técnica eficaz.

De facto, “gema do ovo é rica em colesterol”, informa Gabriela Ribeiro. De acordo com a Tabela da Composição de Alimentos (TCA) do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, a gema do ovo crua tem 1280 miligramas de colesterol por cada 100 gramas.

Contudo, comer gemas de ovos (ou qualquer outro alimento rico em colesterol) não vai ter influência nos níveis de colesterol do cérebro. Isto porque, explica Vítor Hugo Teixeira, “o colesterol em circulação no sangue (plasmático) não interfere no nível de colesterol no cérebro”, porque eles são regulados de forma independente.

Isto é, clarifica o investigador, “ter níveis mais altos ou mais baixos de colesterol no sangue não vai afetar os níveis no cérebro”, porque “o colesterol em circulação no sangue não atravessa a barreira hematoencefálica” (estrutura que impede a passagem de certas substâncias do sangue para o cérebro).

Por isso, os níveis de colesterol no cérebro estão dependentes da “capacidade das células cerebrais” e não “do que ingerimos”, sustenta o nutricionista.

Se o colesterol no cérebro estivesse dependente da alimentação, destaca, “quem tivesse menos colesterol plasmático, como, por exemplo, os vegetarianos (que ingerem menos colesterol), perdia a função cognitiva e tinha maior risco de doenças neurodegenerativas”.

Portanto, o impacto que o colesterol plasmático poderá ter no cérebro é indireto. Tal como explicava o neurologista Rui Araújo neste artigo do Viral, os níveis elevados de colesterol no sangue têm impacto na saúde vascular, por estarem associados “à aterosclerose, ao envelhecimento das artérias, a AVC, tromboses e hemorragias”, por exemplo.

Esse impacto é que pode, de alguma forma, pôr em risco a saúde do cérebro e contribuir para o desenvolvimento de demência.

De: https://viral.sapo.pt