Com o surgimento do PRR, um conjunto de associações de médicos pensou que era o momento indicado e talvez único para ser desenvolvido o Registo de Saúde Electrónico (RSE), com um processo clínico único, disponível para cada pessoa, devidamente codificado, como o cartão de cidadão. Não estávamos a inventar a roda, pois este instrumento existe em vários países, como os escandinavos e, mais próximo de nós, na região da Catalunha. Posto o projecto do PRR em discussão pública, várias associações de profissionais de saúde participaram em reunião promovida pela ministra da Presidência e pela ministra da Saúde e colocaram por escrito as suas críticas e sugestões. Em Agosto de 2020, as associações que integram a Plataforma Reforçar o SNS (Fundação para a Saúde, Estamos do Lado da Solução, Fundação Pulido Valente, Associação Mais Informação Melhor Saúde, utentes da Quinta do Conde) elaboraram um documento que foi entregue à senhora Ministra da Saúde.
Relativamente ao capítulo do PRR que diz respeito à Digitalização na Saúde, demonstraram que não constava o RSE, mas que se baseava sobretudo na renovação de equipamentos. Esta crítica e a proposta para o desenvolvimento do processo único foi apresentada ao então responsável pelo PRR, prof Costa Silva e mais uma vez no Ministério e na Administração Central de Serviços de Saúde (ACSS). Verificámos que o assunto era tratado entre os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde e o Secretário de Estado da Economia, sem passar Pelo Ministério da Saúde. Em face disto fizeram-se reuniões públicas, no INFARMED, no Instituto de Qualidade, no Instituto de Saúde Pública do Porto. Foi nomeada uma comissão pela Ordem dos Médicos com representantes das várias regiões, para tratar deste assunto. Finalmente em Maio de 2024 o Conselho Nacional de Saúde realizou uma sessão na Assembleia da República dedicada ao RSE.
O RSE consiste num registo de todo o processo de cada pessoa. De tal modo que as várias instituições tenham comunicação entre si. Actualmente alguns hospitais têm acesso ao processo do doente no Centro de Saúde e vice-versa, outros não têm. Certos hospitais têm acesso entre eles, outros não. O utente que vai a um serviço privado, não tem consigo o seu processo no público, com os vários exames complementares de diagnóstico. Vai ter que repeti-los. Um doente que fez um electrocardiograma num
serviço público de urgência, pode sair com o relatório ou não. E quando for à consulta de cardiologia pública ou privada vai ter que repetir o exame. Os custos para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) vão sendo multiplicados sem necessidade. E sobretudo os custos humanos são muitos, pois isto implica repetir consultas e repetir exames, quando tudo se resolveria num único acto médico, se o doente tivesse os seus exames no seu telemóvel.
Onde está o dinheiro do PRR para a digitalização da Saúde?
Para obter este mecanismo é necessário ter este objectivo e este processo desenhados de acordo com um levantamento de todos os sistemas existentes e ser constituída uma arquitectura de articulação do que já está instalado. Trata-se pois de construir um projecto articulado software e hardware com consultadoria clínica e normalização de dados. Seria um grande salto ao nível do SNS e de todo o sistema de Saúde. Os custos seriam importantes e por isso se tem pensado que o PRR seria uma ocasião especial para o executar.
Apesar de este ser projecto para o qual confluem médicos, engenheiros informáticos e hospitalares e associações de doente, o orçamento do PRR não tem sido utilizado nesse sentido. Os 300 milhões deste programa destinado à digitalização têm saído de forma avulsa e sem articulação, não tendo um objectivo e um programa determinados. Ora para obter o RSE completo e com articulação universal, seria necessário tê-lo como objectivo, traçar um programa e um calendário, contando com os sistemas informáticos hospitalares e dos Cuidados de base. Não é isso que se tem passado.
O orçamento do PRR para a digitalização para a Saúde tem saído para grandes e pequenas empresas, para grandes equipamentos ou apps, sem conexão entre si. O custo dos equipamentos é decerto necessário, mas podemos ir assistir a aparelhos que vão ficar fechados e sem utilização porque não foram pensados para integrar um programa pré-estabelecido. Tem saído dinheiro para muitos telemóveis, muitos computadores, muitas centrais telefónicas, avulsos ou a corresponder a pedidos específicos, sem enquadramento ou articulação.
Um dia se lamentará, no mínimo, que o dinheiro tenha sido mal aplicado e que se tenha perdido esta oportunidade. Quando mais uma vez o doente vier com o saco de plástico contendo exames, alguém perguntará onde está o dinheiro do PRR. Será bom que se pergunte desde já, porque os Governos e as responsabilidades passam e depois é mais uma história que se conta. Porque não perguntar agora? Onde e como está a ser aplicado o dinheiro destinado ao Registo de Saúde Electrónico?
A opinião de Isabel do Carmo