O cancro do colo uterino é o 3.º mais frequente nas mulheres portuguesas com menos de 50 anos. Por dia, morre uma portuguesa com esta doença, ocorrendo quase metade das mortes no grupo etário de maiores de 65 anos.
A palavra cancro é algo que intimida e desperta os nossos piores medos. O diagnóstico precoce é essencial para a cura e para afastar aquela sensação de nos ter sido dada uma sentença de morte.
A semana dedicada à prevenção do cancro do colo do útero, que em 2022 se assinalou entre os dias 17 e 23 de janeiro, demonstra bem a importância deste assunto e a necessidade de nos informarmos corretamente para sermos agentes de mudança na nossa família, grupo de amigos ou local de trabalho.
Atualmente, o cancro do colo uterino constitui um dos maiores problemas de saúde pública a nível mundial, estimando-se aproximadamente 604.127 novos casos em 2020, e é o 4.º tipo mais frequente na mulher, representando 7,7% das mortes por cancro. Na Europa, são diagnosticados 58 mil novos casos todos os anos e quase metade morre.
Em Portugal, verifica-se uma incidência anual de 16 casos/100.000 mulheres, registando-se, em 2020, cerca de 865 novos casos, 44% dos quais foram fatais. Estes números fazem deste cancro o 3.º mais frequente nas mulheres portuguesas com menos de 50 anos. Por dia morre uma portuguesa de Cancro do Colo do Útero, ocorrendo quase metade das mortes no grupo etário de maiores de 65 anos.
E se eu vos disser que existe forma de PREVENI-LO?
Sabemos que cerca de 99,7% dos casos de cancro do colo do útero estão relacionados com a infeção pelo HPV (Vírus do Papiloma Humano). Apesar das verrugas já terem sido referidas nos papiros médicos egípcios milhares de anos a.c., só muito recentemente, após 1974, os investigadores começaram a associar o HPV com esta neoplasia.
A presença deste vírus é condição “necessária” para o desenvolvimento de lesões pré-cancerosas, que em alguns casos evoluem para cancro. Existem mais de 200 tipos de HPV, sendo catorze de alto risco (AR), ou seja, são carcinogénicos (conseguem estragar as células até se transformarem em cancro). Este vírus também está associado a neoplasias malignas noutros órgãos, como pénis, ânus, vulva, vagina e cabeça/pescoço. Este último com crescente incidência, particularmente nos países desenvolvidos.
Esta é uma das infeções de transmissão sexual mais comuns, que ocorre durante o sexo vaginal, oral, anal ou durante o contacto íntimo de pele com pele entre pessoas em que pelo menos uma esteja infetada. Aproximadamente 80% dos indivíduos adquirem a infeção em alguma altura da sua vida, mas a maioria resolve espontaneamente (≈90%) e só raramente persiste (≈10%). O preservativo reduz significativamente a transmissão, mas não a 100%.
Alguns fatores aumentam o risco de infeção persistente e a progressão para cancro. Dos fatores externos destacam-se: o serotipo do vírus, tabagismo (aumenta 3-4x o risco), imunossupressão, terapêuticas hormonais (contracetivos orais e terapêutica de substituição), início precoce da atividade sexual, múltiplos parceiros sexuais (apesar de bastar ter tido apenas um único parceiro durante toda a vida – independentemente da orientação sexual ou do período de tempo de inatividade sexual – para se poder estar infetado), multiparidade ou presença simultânea de outros vírus e bactérias. Por outro lado, dos fatores intrínsecos destacam-se: a imunidade natural, a imunidade adquirida, a fase reprodutora da mulher e outros fatores de variação genética destes mecanismos.
A evolução da infeção para a doença é muito lenta, levando anos ou décadas entre o início da infeção e o cancro. Geralmente, não dá sintomas, exceto numa fase avançada, onde pode surgir uma perda anormal de sangue (após a relação sexual, fora da menstruação ou pós-menopausa), corrimento vaginal anormal ou com mau cheiro, dor pélvica ou alterações urinárias e rectais.
O rastreio regular com pesquisa do HPV AR e/ou teste Papanicolau, num programa de rastreio organizado ou de forma oportunista, permite-nos identificar essas mulheres e descobrir em que fase se encontram, possibilitando-lhes o tratamento mais indicado.
Na prática, a pesquisa do HPV AR permite identificar as mulheres infetadas e com potencial de desenvolver lesões. Por sua vez, a citologia cervical (teste Papanicolau ou colpocitologia) deteta já a lesão/estrago provocada pelo vírus, ou seja, células pré-malignas ou malignas nas secreções cervicais.
Estas mulheres podem necessitar de ser submetidas a uma cirurgia, particularmente quando apresentam uma lesão de alto grau ou cancro. Contudo, não se pode relaxar, visto que a cirurgia em si não consegue remover o vírus, apenas os “estragos” provocados por este, ficando a eliminação do mesmo a cargo do sistema imune (desempenhando a vacina contra o HPV também um papel relevante nestes casos, podendo reduzir em mais de 80% o risco de recidivas).
A vacina tem um papel fundamental na prevenção primária da doença. Atualmente, está disponível a vacina nonavalente, que contém partículas que permitem a defesa contra nove tipos de HPV, para administração gratuita às meninas de 10 anos (desde 2008, às nascidas após 1992) e aos meninos (desde 2020, aos nascidos após 2009), através do Programa Nacional de Vacinação, podendo, contudo, serem adquiridas na farmácia pelos restantes grupos etários.
No início, pensava-se que apenas seriam úteis para quem não havia iniciado a atividade sexual. Contudo, agora sabe-se que não existe limite de idade para tomá-la e que é segura naquelas que haviam realizado previamente outro esquema vacinal com menos serotipos.
De salientar que mesmo as mulheres vacinadas, as pertencentes ao grupo etário de mais de 65 anos (que já não são elegíveis para programas de rastreio organizados) ou aquelas já submetidas a histerectomia (remoção do útero) com história de infeção prévia por HPV, devem manter a vigilância/rastreio com citologia regular.
A combinação da vacinação contra o HPV (prevenção primária) e o rastreio (prevenção secundária) têm o potencial para eliminar o Cancro do Colo do Útero no futuro, como se prevê que aconteça brevemente em alguns países.
Depois do ano difícil de 2020, no qual todos lutamos contra um novo vírus, não nos podemos esquecer do nosso arqui-inimigo HPV, que demoramos centenas de anos a conhecer e que finalmente estamos a conseguir vencer. É uma luta diária, para a qual devemos estar alerta e ser pró-ativos. Em suma, quando fez o seu último Papanicolau?
Por Cátia Correia
Assistente hospitalar de Ginecologia/Obstetrícia