Artigo de opinião de Luís Campos, médico Internista e artista, e Joana Simões Henriques, coordenadora de programação educativa e programas, MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia.
Leonardo da Vinci dizia que a arte diz o indizível, exprime o inexprimível, traduz o intraduzível.
A arte é uma reinterpretação da vida que se traduz num objeto estético e o artista é alguém que nos faz ver para lá da pele visível da realidade, faz-nos compreender, através dos sentidos, algo que está para além do dizível e, dessa maneira, engrandecer um pouco a nossa capacidade de ver e entender o que está à nossa volta ou a nossa própria natureza.
Da mesma forma a Organização Mundial de Saúde definiu saúde, em 1946, como “um estado de completo bem-estar físico mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Esta definição está ultrapassada: a saúde não é dicotómica, é compatível com a existência de doença e diz respeito à pessoa.
Como afirma o artista René Magritte “Não há escolha: não há arte sem a vida.” Mas a questão que aqui se coloca é se haverá mais vida com mais arte? Para redigir uma resposta comecemos pelo elo, pela ação de colocar duas áreas aparentemente distintas, neste caso, disciplinas tradicionalmente associadas também a lugares arquitetonicamente distantes: o museu e o hospital. Comecemos por falar de transdisciplinaridade, que pressupõe o diálogo e a cooperação entre diferentes setores, num pensamento articulado de expansão das fronteiras do conhecimento, que promove a inovação. A arte e as ciências médicas, juntas, são catalisadoras de saúde quando são transpostas do multidisciplinar para o transdisciplinar, ação que visa a cooperação (Iribarry, 2003).
Como é que as artes podem ajudar na recuperação dos doentes? Diversas expressões artísticas, como a música, a dança, o teatro, as atuações de palhaços as artes plásticas, e outras podem ajudar grupos específicos de doentes, reduzir o estigma, mitigar as desigualdades.
Os museus são lugares de curadoria, de cura porque “cuidam de”: do património material e imaterial, da arte, da história, da sociedade. Contudo, os museus também “cuidam” e contribuem para a cura das pessoas enquanto importantes agentes de complementaridade que, em rede com hospitais e outras instituições de saúde, contribuem para a saúde, a prevenção de doenças, uma melhor qualidade da gestão da doença e para a longevidade (Fancourt, Daisy & Finn, Saoirse, 2019).
Na programação museológica com o eixo arte-saúde, por norma, o mesmo grupo de pessoas encontra-se regularmente para determinada experiência, assumindo o museu um estatuto de “terceiro lugar” (Ray Oldenburg, 1989) — onde passa a haver um lugar de existência e de convivialidade social para além da casa e do hospital. As metodologias participativas, colaborativas e de co-construção aplicáveis no campo criativo e artístico permitem, muitas vezes, encontrar serenidade e ordem no caos e no desconhecido que enfrentam no seu dia-a-dia – ou, no caso de uma pessoa já com doença, enfrentar a doença e um processo de tratamento que tem de obedecer a protocolos clínicos precisos, sobre os quais sente, muitas vezes, que não tem controlo ou agência.
Poderíamos pensar que trabalhar a doença no museu acarretaria possíveis riscos. No entanto, o trabalho transdisciplinar em equipa, com mediadores culturais, artistas e profissionais da saúde, pode levar a resultados concretos e positivos. A arte pode permear a instabilidade de um diagnóstico, ou de uma fase frágil da nossa saúde mental, o museu traz-nos conhecimento, expande os nossos horizontes, melhora as nossas estruturas (resiliência), a forma como nos relacionamos com o mundo, connosco próprios, com a doença (quando existe) e com os outros (relações sociais).
Outra área de inter-relação entre Arte e Saúde é o Healing Environement, ou seja, todos os fatores do ambiente dos serviços de Saúde com impacte positivo na recuperação e satisfação dos doentes. As Artes humanizam o Hospital, são uma afirmação de vida, aliviam a dor dos doentes, diminuem a ansiedade e magnificam as vidas que aí se ganham.