A gravidade de uma doença nem sempre está associada à severidade ou exuberância das suas manifestações. E na patologia oftalmológica esta afirmação assume uma expressão de grande dimensão pela elevada prevalência de doença silenciosa. Um artigo do médico Luís Torrão, especialista em Oftalmologia.
A grande maioria das consultas em Oftalmologia são as consultas por motivos de menor gravidade onde os erros refrativos (dificuldades de visão para as diferentes distâncias) estão à cabeça. É nestas consulta “menores” que o oftalmologista tem a oportunidade de detectar problemas “maiores”.
É importante saber que grande parte das causas de perda de acuidade visual podem ser prevenidas ou tratadas. Muitas vezes estas patologias são assintomáticas e por isso é fundamental um acompanhamento regular pelo seu oftalmologista. Este acompanhamento assegura que, caso haja necessidade, sejam realizados exames que permitem estabelecer diagnósticos e tratamentos precoces e assim evitar complicações, como é o caso de algumas doenças que podem levar a cegueira.
Nunca como agora foi tão importante reforçar a vigilância e fortalecer a saúde geral da população para os meses que se adivinham difíceis. O inverno que se aproxima será exigente para todos nós, pelo que deve começar agora a dar à sua saúde a atenção que merece.
Fique a par das diferentes patologias que não deve mesmo ignorar nas várias fases da nossa vida e perceba porque é tão importante visitar regularmente o seu oftalmologista:
– Na infância
Quando levamos os nossos filhos às consultas de oftalmologia ditas “de rotina”, o oftalmologista tem a oportunidade de avaliar, para além da existência de alterações estruturais que possam ser mais graves, o desenvolvimento pleno da capacidade visual ou, ao invés, alterações deste desenvolvimento onde predomina pela frequência a ambliopia ou vulgarmente conhecido como “olho preguiçoso”. A ambliopia é a causa mais frequente de perda de visão monocular entre os 20 e os 70 anos, não apresentando queixas uma vez que o outro olho permite compensar o anormal desenvolvimento da função do olho amblíope. É papel do oftalmologista detectar e corrigir tão precocemente possível os factores que levam a este anormal desenvolvimento.
– Na idade adulta
Ao longo da idade adulta, no adulto normal, os problemas de focagem (erros refrativos) são a causa mais comum de recurso a uma consulta de oftalmologia. Mais uma vez, compete ao oftalmologista nessas consultas, sensibilizar os pacientes para doenças como o glaucoma, bem como a detectação de alterações oftalmológicas que podem estar associadas a outras patologias, ajudando no seu diagnóstico e estadiamento como é bom exemplo a hipertensão arterial.
É também na idade adulta que ganha particular importância o rastreio de patologias como o glaucoma. O glaucoma é uma importante causa de limitação visual com perda de campo visual progressiva que pode culminar em cegueira. É uma patologia sem sintomas até uma fase avançada da doença pelo que o seu rastreio, baseado na medição regular da pressão intra-ocular (o seu principal factor de risco) e avaliação do fundo ocular pelo médico oftalmologista são os pilares da detecção e tratamento precoces.
– Nos idosos
À medida que a idade avança outras patologias vão ganhando importância. No topo a catarata e a degenerescência macular da idade (DMI). Se a primeira vai imitando progressivamente a capacidade visual, a segunda pode progredir rapidamente até uma fase avançada sem que tenha qualquer manifestação. Mais uma vez a avaliação atempada pelo oftalmologista pode alertar e ajustar os tempos de reavaliação.
Porque não devemos adiar a ida ao oftalmologista?
Sobretudo porque permite acompanhar patologias que tardiamente diagnosticadas podem ser irreversíveis. O contexto de pandemia estamos a viver precipitou a tomada de decisões menos responsáveis suportadas num pensamento intuitivo e emotivo com prejuízo a médio e longo prazo, como é o caso da decisão de adiar os assuntos que consideramos erroneamente menos urgentes.
Foram inúmeros os cuidados de saúde adiados desde o início da pandemia, sobretudo os que foram adiados pelo medo de comparecer a uma consulta ou tratamento por considerarem não ser urgente e por receio de contágio. É sobretudo para este grupo de situações que me dirijo e que tenciono sensibilizar. Os profissionais de saúde também partilharam desse medo. Foi um desafio à nossa capacidade de parar, avaliar e reorganizar a actividade. Não perdemos o medo; aprendemos a viver com ele em segundo plano, tentando dominar o maior número de variáveis que nos fossem possíveis. Implementamos todas as medidas para garantir a nossa segurança e a segurança de quem nos procura, pelo que este receio é infundado.
Existe uma readaptação dos serviços de saúde com capacidade de responder à pandemia, não apenas à COVID-19, mas sobretudo manter a vigilância fundamental das patologias que devem ser controladas em tempos adequados.
Como referi, o inverno avizinha-se difícil – com a chegada da gripe sazonal e uma possível segunda vaga de COVID-19 – pelo que nos devemos antecipar e não adiar estas rotinas tão importantes de vigilância e prevenção!
Não devemos deixar que o medo nos limite a nossa capacidade de continuar a viver. Estamos preparados para responder aos tempos desafiantes que se avizinham.
Um artigo do médico Luís Torrão, especialista em Oftalmologia do Instituto CUF Porto.